terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Alencares

 
Romântica desde a tenra idade, habituei-me, nos meus 15 anos, a chorar no banheiro lendo trechos de O tronco do ipê. Por aquele tempo, eu havia lido praticamente toda a obra de José de Alencar. Só mais ao fim da segunda década de vida é que fui afeiçoar-me ao bruxo do Cosme Velho. Antes disso, povoei meus sonhos de lencinhos, lágrimas e desmaios.

Pouco sei da biografia do escritor, além do básico que se vê na escola. Também pouco li da crítica sobre sua obra. O que me marcou foi o fato de ele nomear uma boa parte de seus livros com nomes femininos. Personagens que, embora idealizadas e planas, como afirmam as características da periodização estilística, se mostram mulheres fortes, determinadas e batalhadoras.

Gosto de dizer, em minha ignorância literária carregada de especulações, que Machado nos apresenta uma série de personagens que se constituem pela fragilidade, homens sem atitude. Alencar nos presenteia com Iracema, Lucíola e outras senhoras que ousam desafiar os costumes sociais, ainda que por eles cerceadas a ponto de sucumbir.

Tempos depois conheci outro Alencar (daí o plural do título); este, não pela literatura. Assim sendo, sei menos ainda falar de sua obra. Diferentemente do homem de Mecejana, este outro é mineiro. E, como tal, quietinho, foi crescendo, até que um dia, fiandeiro que era, teceu tanto a seu redor que não coube mais em si. Tornou-se figura pública.

Leio neste momento nota da imprensa sobre ele. Talvez a semelhança de nomes, talvez a textualidade, algo me leva, de um a outro, a divagações. Talvez a divagação seja simplesmente a nossa inútil necessidade de entender os mistérios da vida. É por aí que a literatura me vem densa. É por aí que crio analogias, repito metáforas e leio emoções.

Homem, de atitude, nada plano, José Alencar expõe diante de mim uma de suas faces. Sob a aparente serenidade, anos de luta contra a doença, que ele tem ousado desafiar por mais que ela o cerceie. Em sua última aparição pública, o ex vice-presidente disse: “Se eu morrer agora, vou morrer feliz”. Juro, Lúcia, a do romancista, diz isso a Paulo em alguma das páginas do livro. Bem... deixemos, por ora, os romances. A vida real, refletida nos múltiplos espelhos de nossa percepção, é a matéria.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Café com trem

 
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista

(...)


É certo que já não eram os tempos gloriosos da RFFSA, mas cheguei a andar um tantinho bom de trem. As andanças tinham cheiro de interior. Quando as reconstruo, no entanto, puxando pela memória, pinto as imagens com certo glamour. Na trama das minhas letras brinco às vezes de ser Scarlett O'Hara e, mais amiúde, invento uma chuva de flashes e, como chão, um red carpet .

Embora tenha começado, mineiramente, falando de trem, pensei mesmo foi em falar de café. Quando criança, detestava. Ainda que o leite fosse escasso era ele a minha preferência e, se não o houvesse, eu nada bebia. Mas é que eu gostava mesmo era do embalo do trem. Diversão pura. Café parecia coisa de gente grande.

A primeira vez que andei de trem (mineiro não viaja de trem; mineiro anda de trem!) foi em minha cidade natal, um passeio para ver os parentes interioranos. Entre eles, minha madrinha. Disseram-me que o café dela eu beberia. Tão fraquinho! Achei mais horrível ainda, tanto o sabor quanto a cor. Uma água de batata ou, termo muito usado na minha terra, uma changuana.

Só fui beber café quando já trabalhava. Associei as duas ações. Muitas horas passadas no trabalho forçaram o paladar, geraram o hábito. Quanto mais vontade de pausa, mais necessidade do cafezinho. Aprendi a apreciar o aroma, a querer o calor nos lábios, a gostar do encorpado da bebida. Mas, como mineira, limitando-me ao tradicional. Essa coisa de expresso, de maquininha, só mesmo para as bandas de São Paulo. Na defesa de meu território, criei estratégias para seu preparo. E, para usar outra expressão da terrinha, desenvolvi "uma mão boa" para fazê-lo. Café que levanta, que traz de volta o ritmo, que dá força, muita força.

Estava, na semana passada, em viagem na companhia de uma amiga que é alucinada pela bebida. Sentamos em uma cafeteria. Experimentei um, com certa dificuldade na hora do pedido, é óbvio. Há sempre a possibilidade de não gostar e, agora, adulta demais para preferir leite. A amiga já pronta, segura. O garçom me olhando, quase a dizer "e aí?" e eu ali, temerosa, indecisa. Enfim, pedi um, com licor de chocolate, chantilly e canela, uma delícia!

Na escolha da bebida, percebi meu medo do novo. Na prova do líquido, descobri o prazer de sair do lugar comum, deixar o vento levar. A sensação do trem em movimento! O trem é assim, devagar, mas flui. O café é assim, estimulante, energia. Eu sou assim, vou me reconstruindo na complexidade, contando com o apoio de quem se faz foguista...

Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
   

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Balões ao chão


Ela sopra as velinhas. Oito. O sorriso de dentes faltosos bane, por alguns minutos, o semblante triste do olhar. Vê-se, naquele momento, a dança da bailarina. O rodopio enche de música todo o amplo espaço do casarão assobradado.

Ela sopra as velinhas, sorri para a foto e pergunta por alguém que não veio. A ausência naquele momento até deixa de ser doída. É apenas constatação do imutável. Balões amarelos e vermelhos tomam conta do ambiente. E há também o bolo, enorme! doce!... que depois haveria de lambuzar-lhe o vestido, o rosto, os cachinhos do cabelo.

Palmas, fotos, abraços. Alguém, no calor do burburinho enrosca-se em um fio de balões. Uma tiara amarela e vermelha rouba o glacê do bolo. Umas mãos estabanadas surgem pensando resolver a situação. Arrastam-se outras fileiras de balões. O chão da sala recebe um tapete inesperado.

A menina pula da cadeira, bailarina de pés audaciosos a comprimir, em sequência, ora uma pétala vermelha, ora uma amarela. O estouro. Ah! que delícia a sensação dos oito anos espocando da ponta dos pés ao pé do ouvido. As mãos estabanadas querem contê-la. É tarde. E ele não vem mesmo. Os balões deveriam ser todos para ele – a fantasia prometida da volta ao mundo. É tarde.

E, se é possível um pedido, agora que as luzes do bolo de aniversário já estão apagadas e as luzes do céu da festa jazem murchas sobre o chão... Se é possível este pedido, ela quer tão somente uma fatia do bolo, ali do cantinho esquerdo, um pedacinho que, apesar do leve estrago, deixa entrever a mão estendida da princesa.