segunda-feira, 23 de junho de 2014

Por um leviano acaso


Igreja de São Francisco - Évora - Portugal - Foto de acervo pessoal


O maldito horóscopo mensal dizia que era momento de esquecer de vez o passado e abrir-se para um novo amor. Ela nem sabia direito por que resolvera seguir aquela previsão. Não se importava com essas coisas nem se sentia presa ao passado. Apenas gostava de se perder entre as boas lembranças. Talvez fosse a época, aquela altura do ano em que se tomam resoluções de transformação e se renovam as esperanças. Ah, o futuro das incertezas, povoado de quimeras.

Ela crescera sob a imposição de castigos. Via cada ação seguida de reação e esta geralmente de caráter punitivo. Entendera cedo por que alguns se impingiam o autoflagelo. Entre o não faça isso, não faça aquilo e as suas aspirações e visões, pairava sempre uma sombra ameaçadora. Sombra era até eufemismo. Era mesmo um espectro a persegui-la, cortando as possibilidades já pela raiz. Ela sentia medo. Habituara-se à cautela. Tudo em suas atitudes evitava a tragicidade sísmica.

Assim, na tradicional calmaria, construía hipóteses para os sofrimentos. Às vezes não encontrava as plausíveis justificativas. Definiu a crueldade como resposta para eles.

Mas, por um leviano acaso, fora ler aquele presságio dos astros. Sua carência antevira ali um sopro alvissareiro e, provavelmente pela primeira vez em sua vida, deixara-se levar pelos novos ventos. Agira sem dar ouvidos à razão. Mergulhara em um desvario de conhecimento só seu. A consciência ditava o sigilo. Havia aqueles instantes em que a alma queria gritar, transbordar, porém ela sabia que era necessário manter-se calada. Isso não doía. Ela estava acostumada ao silêncio.

Difícil era afirmar em que momento a luta entre o pecado e a libertação se tornara mais ferrenha. Fato é que ela passara a não dar conta mais de si. Temia enlouquecer. Foi com esse receio que ela saiu de sua casa em direção à igreja. Desde o dia daquele acontecimento, ela se afastara do ambiente religioso. Evitar essa exposição era seu mecanismo de autoflagelo, assim tão sem alarde quanto ela mesma. Ninguém suspeitava. Entretanto, algo dentro dela parecia pedir castigo maior.

Ela caminhava, ora com passos firmes, ora como se estivesse abandonada a um trajeto obscuro. Era a batalha! O sol atingia de cheio seu rosto, ignorando a dor que lhe abraçava. Onde buscar persistência? A astrologia nada mais sinalizava. O livre-arbítrio soava como programa humorístico que já não arranca uma só risadinha da apática plateia. Algum charlatão (o deus punitivo da infância?) zombava de sua insegurança – ela percebia.

O tempo, cruel, trazia-lhe o vaticínio. Andasse como fosse, a distância seria vencida. Ela chegaria ao destino proposto. A construção surgia diante de seus olhos, completamente estranha ao seu embate. Ela ainda levantou a cabeça, sem nenhum lampejo de altivez. Somente desejosa de um milagrezinho qualquer.

Não tentou ler no céu o rumo dos acontecimentos quando saísse dali. Tampouco pensou se realmente conseguiria se entregar ao ato de contrição. Deixou apenas que as lágrimas escorressem. E entrou!