segunda-feira, 23 de maio de 2016

Limpei o armário

   

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Eu estava ali perdida para sempre ou, pelo menos, até que se acendesse uma luz. A liberdade não se inscrevia nas irregularidades do muro. Nem as utopias. A luz não se acendeu.

Eu era ainda criança e tinha medo exagerado de escuro. A menina, cabelos cacheados e vestido curto de alças finas, nada podia contra o medo, nem contra o escuro, nem contra a alta muralha erguida em seu entorno. De modo que o muro me impediria indefinidamente de transpor o mundo.

Ali, no todo-o-sempre antes de o sol surgir, não surgiram os fantasmas temidos. Tampouco qualquer som que tornasse as pernas mais aceleradas que o coração. Nenhum ruído externo.

É possível acostumar-se ao escuro.

Os fantasmas vieram bem depois, num tempo de demolições e desembaraços, em que o temor era já outro e eu precisava de promessas. A um deles permiti que fizesse morada definitiva em meu armário. Encobri alguns sonhos. Construí algumas ilusões. Acostumei-me. 

Um dia, porém, descobri que fantasma que não causa medo não tem muita utilidade. Descobri mais: que as inutilidades só são bem-vindas quando não geram lágrimas.

Limpei o armário. Lá no fundo, despida de afetações, minha imagem.

A luz esperada...