domingo, 21 de agosto de 2011

As bonecas invertebradas de Letícia


http://tendenciadolescente.blogspot.com/2011/02/um-vicio-bonecas-pullips.html


Olha! As bonecas da Letícia são invertebradas! – exclama meu filho, anatomista mirim, às gargalhadas, após virar e desvirar por várias vezes as articulações dos braços e das pernas de duas bonecas da prima. Ali perto, no mesmo quarto em que Letícia brinca de modista no computador, estou sentada em uma poltrona a ler um livro. Interrompendo a leitura, ergo os olhos e volto-os para as bonecas, imitações de bebês, retorcidas, mas inteiras.

Vem-me à lembrança a época em que era eu quem tinha bonecas, quando meu irmão arrebentou a articulação da perna de um boneco meu. Meu pai improvisou um remendo com um elástico por dentro.

Vem-me à lembrança também a imagem da primeira boneca que tive, com os cabelos todos chamuscados pelo fogo devido à minha descuidosa reincidência após a ameaça de um tio, caso encontrasse de novo algum brinquedo espalhado pelo chão da sala de casa.

Vem-me à lembrança ainda um poema de Olavo Bilac, com o título mesmo de “A boneca”, em que ele a apresenta rasgada ao meio por duas meninas que disputam o brinquedo.

Bonecas perfeitas, bonecas danificadas... brincar era o que dava leveza ao peso de conhecer o mundo, de conhecer a crueldade do mundo... Depois? Depois trocamos os instrumentos do brincar por outras formas de conhecer... Perdemos a ingenuidade...