Setembro acaba e se vão com ele os coloridos dos ipês... à ausência de música abro a torneira da pia do banheiro... bem sei... amanheci nostálgica... Não se iluda, porém: posso ter escrito isso apenas para exercitar minha paixão pelo uso das reticências. Tenho andado em uma fase de compor poemas, uma lírica entorpecente que me tira a exatidão necessária à crônica. No entanto, há em mim um desejo grande de ser exata. Não me basta o azul. Quero o azul petróleo intenso. É esse meu gosto pelo detalhe que me faz perceber que você vive, apesar do meu silêncio.
Bem sei... qualquer nostalgia que hoje me alimente a alma vai ter gosto de café recém-coado e de poesia de João Cabral de Melo Neto se encorpando em tela luz balão. Não se iluda, porém: posso ter escrito isso apenas para falar do que já li. Porque quero a educação pela pedra. Na ponta do cinzel, lições de estruturalismo e geometria. Estou cansada de tudo que é surreal e metafórico. No entanto, não gosto de precisar; gosto de querer, aliás, de quereres...os calmos e os urgentes. É esse meu gosto pelo querer que me faz perceber que você vive, apesar da minha esquiva.
Porque quero, mas me escondo. Só apareço na necessidade, no tão sem tempo do meu cotidiano, nas suas horas não contabilizadas. Sucessivas e exaustivas aulas de economia: equidade, qualidade, sustentabilidade... e um “eu” retraído... Não se iluda, porém: adoro desperdiçar – com fartura – meus sorrisos e minhas lágrimas. Sei ser amante, mesmo que não amada. E, quando amada, sei ser abusada. Não gosto do pouco; não me basta o devagar. É esse meu gosto pelo excesso que me faz perceber que você vive, apesar da minha negação.
Se qualquer coisa me salvasse e esse dia sem anúncio nenhum fosse só uma comédia hollywoodiana e na ponta dos dedos surgisse apenas a palavra nua e crua e você pudesse se iludir e eu pudesse ser sua nesse exato instante e a primavera me devolvesse floridos os sonhos da infância... meu gosto seria um só: perceber a vida que há em mim porque há você.