segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Esse meu gosto

     

Setembro acaba e se vão com ele os coloridos dos ipês... à ausência de música abro a torneira da pia do banheiro... bem sei... amanheci nostálgica... Não se iluda, porém: posso ter escrito isso apenas para exercitar minha paixão pelo uso das reticências. Tenho andado em uma fase de compor poemas, uma lírica entorpecente que me tira a exatidão necessária à crônica. No entanto, há em mim um desejo grande de ser exata. Não me basta o azul. Quero o azul petróleo intenso. É esse meu gosto pelo detalhe que me faz perceber que você vive, apesar do meu silêncio.

Bem sei... qualquer nostalgia que hoje me alimente a alma vai ter gosto de café recém-coado e de poesia de João Cabral de Melo Neto se encorpando em tela luz balão. Não se iluda, porém: posso ter escrito isso apenas para falar do que já li. Porque quero a educação pela pedra. Na ponta do cinzel, lições de estruturalismo e geometria. Estou cansada de tudo que é surreal e metafórico. No entanto, não gosto de precisar; gosto de querer, aliás, de quereres...os calmos e os urgentes. É esse meu gosto pelo querer que me faz perceber que você vive, apesar da minha esquiva.

Porque quero, mas me escondo. Só apareço na necessidade, no tão sem tempo do meu cotidiano, nas suas horas não contabilizadas. Sucessivas e exaustivas aulas de economia: equidade, qualidade, sustentabilidade... e um “eu” retraído... Não se iluda, porém: adoro desperdiçar – com fartura – meus sorrisos e minhas lágrimas. Sei ser amante, mesmo que não amada. E, quando amada, sei ser abusada. Não gosto do pouco; não me basta o devagar. É esse meu gosto pelo excesso que me faz perceber que você vive, apesar da minha negação.

Se qualquer coisa me salvasse e esse dia sem anúncio nenhum fosse só uma comédia hollywoodiana e na ponta dos dedos surgisse apenas a palavra nua e crua e você pudesse se iludir e eu pudesse ser sua nesse exato instante e a primavera me devolvesse floridos os sonhos da infância... meu gosto seria um só: perceber a vida que há em mim porque há você.


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ah! humores...

   
Em frente ao computador, tentando escrever. A mente não se dá conta da ansiedade dos dedos estirados sobre o teclado. Não sei o que me acontece às vezes, tanto dizer transbordando no peito e o pensamento na recusa da verbalização. Queria começar este texto assim: A alegria é tamanha. Um belo sonho. Um belo despertar.

Descubro, sem aflição alguma – é, o comodismo! – que meu mar de rosas é construção fadada ao desmoronamento antes mesmo de se consolidar como projeto. Os vãos das venezianas não me mostram tons de azul. O céu desfila, da hora inicial à hora poente, um cinza agourento de mudanças climáticas. Urge que eu me afaste dessas leituras de jornal. Elas andam a embaçar-me a inspiração.

Abro o dicionário. Quantos significados para a palavra “humor”? Desde uma possível sinonímia para índole, uma interpretação para estado de espírito, até uma explicação anatômica, advinda das investigações filosóficas, em que se associa humor às secreções corporais. O que se faz certeza entre minha sala de trabalho e o clima é que o dia se consome nessa dolente esquiva.

Chego em casa sentindo que se esvaíram todas as minhas energias (menos aquelas acumuladas em pneuzinhos que me constrangem ante o espelho e o guarda-roupa). A vida era pra ser uma experiência fascinante, mas descubro-me cansada e triste. Razão para tal? Questão de humor?

Não, não se faz momento para a reflexão. Melhor tomar um banho. Espaço para o despir: das roupas, das palavras presas, do cansaço, do comodismo. Banho assim, de água corrente, de temperatura amena, de janela semicerrada e de vapor condensando gotículas pelas paredes. Sem nenhuma consciência ecológica! A água a deslizar pelas curvas, as desejáveis, e as indesejadas também.

Sabonete líquido, cremoso, espesso... perfume que atiça os sentidos. Cheiro inebriante que lança o corpo na aventura do êxtase. Pelo tato vem a sintonia entre corpo e mente. O mar de rosas é projeto viável. Milagre de laboriosa arquitetura que desenha ilusões entre o corpo molhado e ensaboado e as sombras projetadas pela luz no vidro do box . Já não há mais dedos ansiosos ante o teclado. Ah! humores... Vem, em explosão íntima, um novo texto, em cuja primeira linha se lê: A alegria é tamanha...