sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Registros (a)temporais de pássaros e janelas

  



1.
Brotavam passarinhos no campo. Eram pinceladas de cores em movimento. E eu nem precisava falar, pois a música banhava de som a imensidão azul. Quem inventou de colocar grade nesta janela? Não fosse a presença ingrata, eu poderia debruçar-me à vontade. Daqui não se cai. Quando muito, aos mais descuidados, esta janela poderia abreviar o momento das asas prontas para voo maior. Entretanto, impossível tal deslize, se o canto, surgido da fragilidade de pequenas criaturas aladas, inspira atenção máxima. As grades da janela dividem o mundo entre lá e cá. Que importa a hora dada pelo relógio? A manhã precisa acabar.

2.
Manhã chorosa. Não há cachoeira nem nesgas de céu azul. Apenas um manto acinzentado que pede janelas fechadas. Nem assim os pardais se aquietam. Também o barulho de carros. Eu só queria dormir mais um pouco. O despertador, ingrato companheiro, não me permitiu e todos os sons, como a fugir da fina água, adentraram o quarto. Meus ouvidos têm abrigado o mundo. Os ouvidos, os olhos, a memória... Busco, de conteúdos retidos, a paisagem necessária à animação do corpo. Momentos há em que se faz imperiosa a construção de fantasias. Imprescindível silenciar os pardais. Puxo da arma eletrônica melodia mais sinestésica. “Bem-te-vi ... tua boca pingava mel.” O tempo também pingava. Lá fora. Não esse aqui do relógio, cruel...

3.
As grades do alçapão colhido a esmo em terras outras pediam restauração. Pintei-as de branco. Acreditei assim que se tornariam mais visíveis os pássaros ausentes. O alçapão virou enfeite no beiral da janela. Ornou com o relógio de parede. Algo no ambiente, porém, adivinhava a dor do canto inaudível. Quem era a ave triste, se não aquela que inabitava o artefato decorativo? Não se musicam perguntas. Elas não cabem na pauta musical. Abandono a janela, abandono a visão externa. O ouvido faz movimento inverso e capta sons minúsculos de lágrimas. O pássaro encolhe-se sob as asas. Oh, chuva!...