Conheci um mercador. Vende abobrinhas no Ceasa. Não sei por que me ocorreu a palavra mercador. Parece tão sem uso. Soou-me arcaica. Ação inconsciente talvez, para aproximar-me das minhas ilusões românticas, embora o vendedor nada trouxesse de semelhança com um príncipe encantado. O viço dos frutos, entretanto, era em meus olhos um tapete mágico, pelo matiz do conjunto, ali estendido, em convite ao pé do ouvido para um recanto de mil e uma noites. Eu bem que poderia aceitar o passeio, atravessar toda a cidade, não fosse a aspereza das caixas dos vegetais a me lembrar que o milagre da varinha de condão se faz com hora marcada.
A fala do vendedor é história e seu produto é regalo que me satisfaz. Imagino todas essas saborosas abobrinhas se autopromovendo em banquete de verduras falantes diante de um gramático puritano, daqueles que não sentem cosquinhas de forma alguma e torcem o nariz para uma xicrinha de café. Tão gostoso falar abobrinha! Decerto isso me chamou a atenção naquele moço de voz firme a anunciar seu produto. Nenhuma relação inconsciente com meu mundo de contos de fadas.
Adoro as armadilhas do idioma! Proparoxítonas são pronúncia melodiosa somente na voz de Chico Buarque. Porque o meu mercador – ai! deem-me licença, preciso desse possessivo! – porque o meu mercador não se sentou pra descansar como se fosse sábado, não comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe, não bebeu nem soluçou como se fosse um náufrago, não dançou nem gargalhou como se ouvisse música. Ele apenas chamava a freguesia em linguagem tão cotidiana quanto seu marketing. O som inconfundível de quem verbaliza com maestria o processo da síncope, pois já viveu na pele a aventura de atravessar um corguinho.
Vejam bem a que recanto me trouxe esse tapete mágico! Ah! Se todas essas abobrinhas se transformassem em mandrágoras! Minha voz não tem tanta força perlocutória. Não sou princesa; tampouco sou bruxa. Meu mercador é um homem comum, no exercício de sua profissão. Eu... eu vendo histórias. Em mercado algum. Para comprador algum. Não, não as vendo. Distribuo-as livremente pelo espaço, enquanto atravesso a cidade, apesar da aspereza das milhões de caixas-casas que não as acolhem. Óbvio, não são abobrinhas. E isso causa uma distância enorme entre mim e aquele vendedor.
Um tapete mágico qualquer para um mercador especial (ou um tapete mágico especial para um mercador qualquer)