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A errância do pensamento era no tão somente mesmo da solidão. Ela varria o chão da sala. Espanava as prateleiras da estante. Que tanto nas partilera, comadre? aumenta o trabalho. A lembrança da fala da vizinha levou-a a esboçar um breve sorriso logo desmanchado ao sentir doerem-lhe os mínimos músculos ante a irrisória contração. Ainda lhe causavam estranheza as particularidades do falar local. Não lhe parecia estar ali há mais de década. Tirar a sujeira dos objetos era tarefa fácil. O problema era lidar com o encardido das gentes, não esse de pele poeirenta, craquenta, mas aquele da alma. Veio-lhe na mente a voz do pai em sua desinocente ignorância: quem faz uma coisa dessa não pode ser filho de Deus.
Era preciso, com mais vigor, espanar o acre das últimas horas. Impingir à mente um algo mais que aquela cena desassossegante. Entretanto, não havia como deitar calda de açúcar por sobre a rudeza, a arrogância, a violência. Poder de dissolução e esquecência era dado a palavra, a atitude alguma. Nem que a loucura a tomasse por completo, num vento virado, condenando-a à sina de vagar a esmo o resto de seus dias pelo sem-fim dos prados castigados de seca e sol.
Sentiu novamente o latejar de um músculo, quando, em gesto descuidado, afastou da fronte uma mecha de cabelos que insistia em lhe tirar a visão. Fossem os fios displicentes, fosse o esbarrar na face, alguma ponta daquela dor trouxe-lhe à memória um pente da infância deixado fora do lugar e a humilhante exigência de, filho após filho, levá-lo ao lugar correto. Naquela época havia um medo terrível de escuro e de mãe. Mas havia as brincadeiras – nuvem leve! Vacina havia uma ou outra. As doenças da infância curavam-se todas com repouso e chá de folhas da horta. Para outras dores, usava-se mertiolate e, se não bastasse, quando casar sara. Sara? O quê?
Por que, nos momentos em que se quer afastar o sofrimento, só se consegue multiplicá-lo ainda mais? Haveria no mundo pessoas predestinadas ao autodilaceramento? Seria esse próprio predestinar-se uma força motriz a atrair os golpes insanos de qualquer imbecil que se julgava qualificado a agressor?
O relógio mostrava-se impiedoso. Os minutos corriam, tanto mais o piso se embranquecia e o rosto se arroxeava. A limpeza acontecia alheia às questões, às dúvidas, às fragmentadas lembranças e às lágrimas.
Era preciso, com mais vigor, espanar o acre das últimas horas. Impingir à mente um algo mais que aquela cena desassossegante. Entretanto, não havia como deitar calda de açúcar por sobre a rudeza, a arrogância, a violência. Poder de dissolução e esquecência era dado a palavra, a atitude alguma. Nem que a loucura a tomasse por completo, num vento virado, condenando-a à sina de vagar a esmo o resto de seus dias pelo sem-fim dos prados castigados de seca e sol.
Sentiu novamente o latejar de um músculo, quando, em gesto descuidado, afastou da fronte uma mecha de cabelos que insistia em lhe tirar a visão. Fossem os fios displicentes, fosse o esbarrar na face, alguma ponta daquela dor trouxe-lhe à memória um pente da infância deixado fora do lugar e a humilhante exigência de, filho após filho, levá-lo ao lugar correto. Naquela época havia um medo terrível de escuro e de mãe. Mas havia as brincadeiras – nuvem leve! Vacina havia uma ou outra. As doenças da infância curavam-se todas com repouso e chá de folhas da horta. Para outras dores, usava-se mertiolate e, se não bastasse, quando casar sara. Sara? O quê?
Por que, nos momentos em que se quer afastar o sofrimento, só se consegue multiplicá-lo ainda mais? Haveria no mundo pessoas predestinadas ao autodilaceramento? Seria esse próprio predestinar-se uma força motriz a atrair os golpes insanos de qualquer imbecil que se julgava qualificado a agressor?
O relógio mostrava-se impiedoso. Os minutos corriam, tanto mais o piso se embranquecia e o rosto se arroxeava. A limpeza acontecia alheia às questões, às dúvidas, às fragmentadas lembranças e às lágrimas.
O som da campainha tirou-a do automatismo e das divagações. De repente, um lampejo de crueldade perpassou-lhe os olhos. Desejava uma notícia de morte. Para sua decepção, todavia, era apenas o encarregado da leitura do consumo mensal de energia elétrica. Uma dedicada e acabrunhada dona de casa, com movimentos nervosos de mão a esconder o olho esquerdo, abriu-lhe o portão.