Bordava roupas
de cama, panos de prato, toalhas de mesa. Eram linhas e agulhas que perpassavam
as tramas do caprichado enxoval. Não era, entretanto, pensando em seus núbios
sonhos de moça que bordava. O tecido marcado, por si só, era sua satisfação.
Agradava-lhe vê-lo não mais branco, intacto. Era como o prazer da folha
preenchida a tinta. Para o leitor, tantas palavras! Para o analfabeto, o
espanto impingido pelo enigma.
Colecionava os elogios recebidos. Às vezes, cuspia um deles
sobre agulha ingrata que ousasse lhe ferir. O sangue estancava em segundos!
Aconteceu, porém, um dia, de perder o domínio sobre a
agulha. Enamorara-se. Os olhos foram tomados de devaneios. O corpo e o coração,
crivados de êxtase... Passou a bordar sonhos pela madrugada, sorvetes à tarde e
audácias ao cair da noite. Tão mais o
tecido se preenchia, mais era a bem-aventurança! Acordava desejando as marcas
impressas pelos ventos da fortuna.
Manhã veio, no entanto, sem nenhuma alvíssara. Na mão da mãe
via-se o requinte do papel opalino que ostentava luxuoso monograma. Na mão
firme da mãe, diferente da sua, que subitamente ignorava qualquer rigidez... Com
que então, o amor que julgara só seu estava predestinado a outros lençóis, de
bordadeira nem tão afamada?
De ímpeto, dirigiu-se ao quarto, apossou-se dos apetrechos de
costura. Ali, a agulha fez-se arma. Deixou que o sangue brotado escorresse. A
marca no tecido foi outra. Mesmo assim, entranhada
nos fios.
Linhos, cambraias, cânhamos... Aos poucos, o novo bordado
lançava mágoas escarlates sobre os cortes. Os tecidos vivificavam-se. Havia
quem nada entendesse. Fofocas e condenações substituíram os elogios. Ela mais e
mais caía de amores pelo novo enxoval.