quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O medo

 
(Montagem sobre fotografia de Yun)


O medo escolheu-me como eterna companheira quando eu ainda era criança e, pela primeira vez, tive um pesadelo. Na ânsia por socorro, compreendi que a cama da mãe era inacessível para os sustos da madrugada. Desde então persigo soluções paliativas.

Por incontáveis vezes, evitava a televisão, até mesmo programas infantis aparentemente inofensivos, como aqueles seriados japoneses cujos heróis salvavam o planeta de seres alienígenas. Agarrava-me a orações, que eu desfiava feito contas de rosário. Transformei meu anjo da guarda em refém implorando que qualquer inimigo o visse e, por isso, fugisse. Mas que ele nunca se revelasse a mim, pois que não teria eu, sozinha e apavorada, como dele fugir. Lia tudo que me era permitido. Criava mantras, que recitava silenciosa e repetidamente até o sono me embriagar.

Adquiri alguns vícios com esse comportamento: falo sozinha, tenho sono leve, meu pensamento funciona por levantamento de hipóteses... E o principal: habituei-me ao ofício da escrita. Ela me liberta. Escrevo mesmo que não tenha ideias – papéis rabiscados pelo exercício incontido da caneta, traços e letras a esmo e, não raro, meu nome, meu nome, meu nome, até não caber mais na folha.

Nenhuma artimanha, porém, pôs-me de todo a salvo. Precisei aprender a negociar racionalmente as circunstâncias e os motivos. Aquele medo de um dia acordar e tudo em volta estar diferente, eu não reconhecer mais nada da realidade, deixei-o guardado na caixinha do impossível.

O medo de monstros, fui amenizando-o à medida que consegui delinear exatamente a face de quem poderia me aterrorizar. Monstro só é digno do nome, se desfigurado. Se tem rosto, eu encaro!

O medo de barata continua. Aliás, este se desenvolveu: tornou-se pavor, fobia. É bom mantê-lo. Endossa o coro dos que afirmam que ter medo de baratas é coisa tipicamente de mulher. Faz-me ultrafeminina ante qualquer insinuação de igualdade de sexos.

Certeza e coragem são para os heróis. Eu tenho medo da solidão, do diagnóstico do médico, de ficar grávida, de perder um filho, de atravessar a esquina a pé quando não sei se o motorista vai mesmo obedecer à sinalização. Eu tenho medo de entrar de carro numa rua sem saída.

Eu tenho medo das saídas.