sexta-feira, 26 de março de 2010

Folhas de Plátano


        
Descobri, de repente, folhas de plátano espalhadas pelo chão. Olhei no calendário e, apesar do excessivo calor, constatei que já era outono. O desconforto que eu atribuía à sensação térmica, num piscar de olhos, cobrou-me a razão. Descobri, de repente, que a juventude acabou.

Moda vai, moda vem, e não se percebe a passagem do tempo. Até que um dia... dá-se conta de que já não se é o caçula da família, o aluno mais novo da sala de aula, o mascote da turma, o recém-contratado da empresa. E quem vem chegando praticamente sempre tem idade inferior a quem já está.

Como foi que descobri pálido o viço da juventude? Não consigo lembrar em que noite dormi criança e acordei adulta, embora me lembre bem do sabor de amadurecendo dos frutos, inclusive dos proibidos.

Entre as minhas andanças literárias, li uma vez – uma vez é força de expressão (ou será fraqueza?); li várias, tantas vezes, que é assim que costumo fazer quando algo me comove. Bem, li. Em Clarice Lispector. “Um domingo de tarde sozinha em casa dobrei-me em dois para a frente – como em dores de parto – e vi que a menina em mim estava morrendo. Nunca esquecerei esse domingo. Para cicatrizar levou dias. E eis-me aqui. Dura, silenciosa e heróica. Sem menina dentro de mim.”

Quando li isso, já havia experimentado as dores do parto. Não tinha, entretanto, experimentado essa noção de morte. Eu virava as páginas, sem me dar conta de que os acontecimentos narrados em algumas delas seriam irrecuperáveis e, então, eram já substância inerte. Ao ver a planta brotando, regozija-se com o milagre do verde nascedouro; não há mais preocupação com a semente.

Muito do que li, reli depois das dores do parto. Não havia, porém, percebido a dimensão do heroísmo. Esse de dar a vida num crescente silêncio. Ah, quanto me calo até no que digo! Ah, quanto se calam os meus personagens! E quantos terremotos são abortados no meu calar! O tempo é soberano, poder-se-ia dizer. Tenho aprendido com ele a gostar até dos maus momentos. Ah, as dores! Vou me deixando ferir e fico depois recosendo as cicatrizes. Ora, faço questão de ostentar as marcas que nenhuma maquiagem disfarça, ora isolo-me na vã tentativa de escondê-las. Dureza, silêncio e heroísmo!
     
Domingo a domingo, nesse eterno outono, vão caindo as folhas secas. Entretanto, recuso-me a deixar que a menina seja trocada por uma adulta insensível. Atiro bravamente minhas luvas contra a amargura, saboreando de antemão a vitória. E, acaso, se a natureza me presenteia com um arco-íris em meio à estrada, não considero o risco do ridículo: paro e deixo que as cores me contagiem. Quem sabe eu não brinco com o tempo e volto a ser criança na próxima primavera!