domingo, 23 de janeiro de 2011

Pintura


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É sábado e fui ao salão de beleza. É sábado e pintei as unhas. Unhas decoradas que se fizeram chamativas demais para alguém que, como eu, se acostumara à introversão. É sábado e pensei em, mais à noite, sair. O telefone tocou. Sua voz abatida, porém, conteve em mim qualquer ímpeto para a felicidade. Descobri, sem nenhum entusiasmo (que, para isso, pupila alguma se dilata ou se ilumina), a tristeza da distância na hora do sol poente.

É possível retroceder? E eu poderia reiniciar minha escrita. É sábado e fui ao salão de beleza. É sábado e pintei as unhas. Unhas decoradas que se fizeram chamativas demais para alguém que... Enfim, é sábado e pensei em sair mais à noite. O telefone tocou, como a adivinhar minha intenção. O convite. Não um convite qualquer, mas aquele pelo qual eu ansiava.

O telefone realmente tocou. Foi, no entanto, só mais um engano. Como acontecem enganos nas tardes de sábado! Eu mesma enganei-me ao concordar com a sugestão da manicure para esmaltar as unhas daquela forma. Não era meu estilo; eu sabia. Todavia, lembrando-me de um texto que lera recentemente sugerindo pequenas mudanças no cotidiano, avidamente aceitei: sim! Depois, tudo pareceria sem propósito. E eu nem queria atender ao telefone...

Sábado. E, embora eu tivesse pintando as unhas de maneira ousada, o telefone não tocava... Ainda que eu vigiasse o aparelho ou sutilmente disfarçasse indo fazer qualquer coisa na cozinha, nem que fosse abrir a geladeira pela décima primeira vez em menos de um quarto de hora. Ainda que eu me distraísse olhando para as pontas enfeitadas dos dedos e pensando que vestido combinaria mais. Ainda que eu devorasse por dentro toda a ansiedade e colocasse no rosto o sorriso exultante daquela manicure que olhava minhas unhas tal qual Michelangelo a sua Capela Sistina. Ainda...

Rabisco todos os minutos desta tarde e todas as linhas anteriores. Reiniciarei minha escrita. É sábado. O telefone tocou. Contendo qualquer outro ímpeto, avidamente aceitei: sim! Muito mais que exultante, coloquei no rosto o sorriso de quem nem precisa mais sair à noite. Não é mesmo o estilo de alguém que, como eu, se acostumara à introversão. Abri a porta. É sábado. Mas não pintei as unhas.
   

domingo, 16 de janeiro de 2011

Reencontro

   
Não, não é uma rua. Não há calçada nem meio-fio. Mas como é bom desfilar por ali sem pressa, saboreando o friozinho da manhã com cheiro de café recém-coado. Caminho devagar, em parte porque, teimosa - e vaidosa, vá lá -, neguei a meus pés um confortável par de tênis, em parte porque, sistemática e perfeccionista, espero nesses poucos passos alcançar o equilíbrio entre memória e coração.

Sei bem que o melhor mesmo é chegar lá no fim e atravessar o portãozinho de ferro que me devolve a infância em jabuticabeiras floridas. O aroma, aos poucos, modifica-se. Torna-se mais adocicado. O chão também já é outro. Os saltos parecem afundar na falta de rigidez do manto de folhas sobre a terra macia. É, no entanto, uma sensação de insegurança gostosa: o corpo em estado de alerta para evitar uma possível queda, mas a alma rindo alto com a imagem do tombo.

Venho movida pela vontade do resgate de um pedaço de mim que esqueci ali. Deixo, ao passar pelo portão, os longos anos que separam a altiva mulher da tenra criança. Reencontro. O céu de Minas inteiro derrama no ar essa palavra, por entre as frestas das montanhas, no rumorejar da vegetação oscilante, até nos descascados das paredes assobradadas.

Um sorrisinho atrás de uma das árvores se delineia para mim. Logo depois uma pequena corrida e um forte abraço que me deixa a blusa melecada de manteiga pura de leite. Meus sapatos, cadê? escondidos no canteiro de margaridas. Os pés descalços fazem festa por entre a vegetação. Damo-nos as mãos e ensaiamos uma ciranda.

Entre um giro e outro, os corpos desdobrados fundem-se novamente. Quem sou agora, refeita, renascida? Os pequenos milagres nos pequenos prazeres nos pequenos instantes nos pequenos espaços. Tudo tão enorme! Mas tão simples e insólito quanto este novo desejo: quero café com jabuticabas.


 Tiradentes - MG (Acervo pessoal)