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Eu era ainda criança e tinha medo exagerado de escuro. A menina, cabelos cacheados e vestido curto de alças finas, nada podia contra o medo, nem contra o escuro, nem contra a alta muralha erguida em seu entorno. De modo que o muro me impediria indefinidamente de transpor o mundo.
Ali, no todo-o-sempre antes de o sol surgir, não surgiram os fantasmas temidos. Tampouco qualquer som que tornasse as pernas mais aceleradas que o coração. Nenhum ruído externo.
É possível acostumar-se ao escuro.
Os fantasmas vieram bem depois, num tempo de demolições e desembaraços, em que o temor era já outro e eu precisava de promessas. A um deles permiti que fizesse morada definitiva em meu armário. Encobri alguns sonhos. Construí algumas ilusões. Acostumei-me.
Um dia, porém, descobri que fantasma que não causa medo não tem muita utilidade. Descobri mais: que as inutilidades só são bem-vindas quando não geram lágrimas.
Limpei o armário. Lá no fundo, despida de afetações, minha imagem.
A luz esperada...