sexta-feira, 25 de junho de 2010

A praça

    
Acordei nesta manhã dominada por aquele friozinho mineiro de inverno que faz a gente querer “quentar sol”. Logo depois, saí para trabalhar – de carro – e passei marginando a praça – vazia! Não sei se foi o frio ou o cachecol da moda, que trocou o aconchego morninho da lã pela estampa reveladora das tendências da última coleção francesa... O fato é que fui invadida por uma melancolia cuja suavidade me trouxe à lembrança as praças de minha história. Ao percurso do carro somou-se o percurso de resgate da memória. Este último obviamente sem nenhuma linearidade ou constância.
  
Atualmente, em sua maioria, o fervilhar das praças foi substituído pelo burburinho dos shoppings. Mas, era uma vez um tempo em que as praças eram a vida orgânica das cidades, espaços urbanos por excelência. Naquela época não havia aniversário de município sem inauguração de praça.

Era uma vez uma praça, quando eu tinha sete anos. Começo por ela, pois que se tratava de inauguração de uma praça pelo prefeito da cidade. Fato que, posteriormente tomei ciência, definiu minha posição política. Em Contagem, Minas Gerais – Não sei quem teve a infeliz idéia! – todas as crianças da escola, devidamente uniformizadas, no período da tarde, esperando sob o sol pelo ilustre e atrasado prefeito. Momentos intermináveis de calor e sede fizeram com que o cérebro não registrasse o viço daqueles jardins nem sua exata localização.

Era outra vez outra praça. Esta sim, imponente, majestosa. Sua imagem é meu verdadeiro referencial de praça. Alia-se à exuberância paisagística de seus jardins versalheses a exuberância arquitetônica que mescla o fim do século XIX à modernidade de Nyemayer e à futuridade do “Rainha da Sucata”. Cores... de tintas... de flores... dos amores de minha imaginação... de minha personalidade mista de Hilda Furacão e Bárbara Heliodora... do poder público dos dias úteis... do poder do povo na feira de domingo. O lugar em que gostaria de estar toda vez que a saudade me trava o raciocínio e me embaça a visão.

E foi à época em que frequentava com regularidade essa praça, a Praça da Liberdade, que pude ir a uma outra da qual guardo um fato singelo. Em Ouro Preto. Em excursão com um grupo de alunos. Caminhava ao longo da Praça Tiradentes, distraída no pisar das pedras e na conversa dos colegas. Alguém falou algo de que não mais me lembro, mas que me fez sorrir. Sorriso largo, de quem está achando maravilhoso o céu azul esparramando-se sobre o verde escuro das montanhas. Não prestava atenção no grupo de estudantes ao pé da porta da república. Nem guardei o rosto do moço que disse “Que sorriso lindo!”, embora ele tenha me olhado farta e demoradamente. Entretanto, registrei na memória o episódio, a amplidão daquela manhã, o tom dolorido do concreto da praça e a amargura barroca incrustada entre os museus da Indepedência e de Mineralogia.

Na praça de hoje, nem os rotineiros caminhantes em sua prática de atividades físicas. Mas a frígida solidão dessa praça também emociona, pelo desvelamento intimista. O pálido, rasteiro e ressequido verde, planificado na ausência das flores, é a tradução da relatividade do tempo. Estou em meu carro, já longe, mas sinto-me sentada ali, vestida de rosa antigo, reaninhando em meu colo a adolescência perdida. Dando lugar à fragilidade que sempre recusei, exponho-me ao frio e aos tênues raios de sol.
   

12 comentários:

  1. Márcia, vim primeiro agradecer sua visita e suas palavras.
    Depois dizer que seu blog é excelente e cativante.
    E finalmente dizer que estou seguindo seu Blog e quero te ver sempre, você é uma mulher muito linda.

    Beijão do ZC

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  2. Márcia,
    Agradeço a sua visita em meu blog e aproveito a chance para agradecer pela leitura prazerosa a qual você me proporcionou.
    Lindo o seu texto!
    Ele me transportou pra um tempo de poesia que não existe mais, mas que graças a Deus eu pude aproveitar da melhor forma possível!
    Obrigada!
    Bjs.

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  3. Lindo texto, professora! E maravilhosas palavras. Obrigada por nos presentear com essas lembranças de episódios "na praça" hehehe.

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  4. Hoje ainda na pequena cidade que minha avó mora há uma praça assim, dai quando vou para lá, fico lembrando dos 'velhos' tempos.
    Praças tem tudo haver com MG, neam?!

    BeijOs

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  5. Olá Márcia, vim para dizer que tem resposta para seu comentário em meu blog, mas me deparei com um texto muito bem escrito, e fiquei por aqui...como se fosse numa praça, naqueles tempos de frequentá-las.
    Parabéns pela escrita estilosa, culta e criativa!
    Abraço forte!

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  6. Caraca gata, mandou benzão no texto ein eu acho que infelizmente não são só as praças que sofrem estas mudanças, é a nossa vida e o ser humano em geral, pois como vc mesma diz ao terminar o texto "entrei em meu carro" em outros tempos, voce apenas caminharia a pé

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  7. Grato pela nova visita baby, bju grande

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  8. Querida,

    Belíssimo texto! Aliás, não interprete como cantada de mau gosto, entretanto, é inevitável a mim constatar que esta nova fotografia de teu perfil ratifica que a beleza de teus textos é extraordinariamente bem representada em tua sóbria e harmônica face. Linda literatura, linda pessoa, linda mulher.

    Um abraço a ti,

    @RicardoANovais

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  9. Gostei de seu texto. A memória traz lembranças simples e cheia de graça.
    Jefhcardoso do http://jefhcardoso.blogspot.com

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  10. Eça de Queirós define "crônica" (1867). Leiam:
    http://osrascunhos.blogspot.com/2010/02/citacao-eca-define-cronica.html

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  11. Custei a dar as caras aqui nos comentários às suas postagens, né? Mas hoje vou tentar remediar essa falta (perdoável, espero).

    As praças são espaços realmente mágicos, especialmente para quem teve a sorte de vê-las plenas de vida. Que hoje, pelo menos nas grandes cidades como o Rio, elas sobrevivem agonizantes, com sua função social bastante fragilizada. Nas muitas praças da minha infância e adolescência, a vida fervilhava. E tinha o "footing", uma espécie de BBB ao vivo - e com uma graça e magia que atraía e envolvia mesmo os que eram desprovidos de sensibilidade para se dar conta de que qualquer espetáculo da vida só tem realmente sentido quando podemos interagir, sendo co-protagonistas.

    Beijo

    P.S.: Segue, via sedex, um cineminha art déco em bom estado de conservação. Espero que seja o "seu número"...

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