domingo, 18 de julho de 2010

O dizer do silêncio

 http://4.bp.blogspot.com/_BRTsFEeRtzs/SLSeE7kmi_I/AAAAAAAAAVg/BvJf626xLh0/s1600-h/silencio6.jpg


(Este texto, publicado em mídia impressa em 2006, foi produzido "por encomenda" e é uma das minhas primeiras incursões na narrativa em primeira pessoa, ainda que nele seja forte o viés acadêmico.)


A única glória no mundo — ouvir-te.
Daniel Faria, in "Dos Líquidos"


Quieta, no meu silêncio de cada dia, vejo-me incumbida de uma árdua missão: falar sobre o silêncio.

Diz-se do silêncio como a ausência de som. Mas ele é bem mais que o cessar do barulho. Uma página como esta, carregada de palavras, de frases, está toda entrecortada pelo silêncio. Sim, os espaços brancos da página são pequenos silêncios que, se costurados, evidenciariam horas da mais absoluta mudez. Um silêncio poético!

Há silêncios que ecoam dolentes: os silêncios do não-dizer. As vozes ocultadas, quer tenham sido reprimidas pelas ideologias dominantes, quer tenham se calado propositadamente. Um calar-se que esconde-revela duas possibilidades: uma renúncia covarde à manifestação, que se traduz num pacto coletivo medíocre de falta de posicionamento na sociedade, ou uma forma de resistência passiva, que opõe a fórmula “ofereça a outra face” à fórmula “quem cala consente”.

O linguista John L. Austin (1911-1960) escreveu "Quando dizer é fazer", obra na qual propõe uma teoria dos atos da fala, defendendo, sob um ponto de vista pragmático, que, pela linguagem, se tem uma ação capaz de modificar a relação entre os interlocutores. Em outras palavras, o enunciado é performativo: ao proferir algo, o falante está realizando uma ação. É o que se pode observar em frases como “Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. É o que Austin chama de força ilocucionária, que não está presa somente ao vocabulário ou aos limites da estrutura sintática, mas também a fatores que dizem respeito às condições externas.

Mencionei essa teoria porque, ligando-a à ideia anterior, quero levantar uma questão: como analisar o silêncio do não-dizer, ou melhor, o dizer do silêncio? Não pretendo, porém, buscar respostas.

Francamente, falar sobre o silêncio para mim, neste momento, está sendo calar uma voz que queria mesmo era falar de pitangas. Aquelas que saboreei há um tempo atrás em companhia de alguém muito querido. Palavra alguma foi dita, entretanto os olhares gritavam ensurdecedores. Quanto de dizer – apesar do não dito – naquele pomar!
   

7 comentários:

  1. Ah!... e por que postei um texto de 2006? Bem... hoje é um dia especial para mim (meu aniversário) e eu queria muito ter comido pitangas hoje.

    ResponderExcluir
  2. Puxa, Márcia, segundo aniversário importante que perco em três dias. Bom, mas como o céu tá preto de nuvens aqui... posso considerar que ainda não amanheceu e assim sendo ainda estamos no domingo, pois pra mim o dia seguinte só começa quando clareia a manhã. Portanto, parabéns pelo dia de hoje!

    Que papo geléia, esse meu, hem! Vou é vou tentar dormir. Só entrei pra comentar porque essa postagem me fisgou fundo no parágrafo final. Gerou um mantra automático que está aqui martelando na minha cabeça: silêncio de pitangas... silêncio de pitangas...silêncio de pitangas...

    Beijão

    ResponderExcluir
  3. Parabéns, Marcia. Pelo silêncio, pela lembrança e pelo dia.

    ResponderExcluir
  4. silêncio e pitanga...duas coisas que gosto tanto. Gosto também de aniversários e de você, Márcia. Amei seu jeito de falar sobre o silêncio. Apesar de gostar do silêncio das coisas, meu silêncio é tão ruim... Quando me calo, um barulho descomunal grita dentro de mim. Calo-me para quase tudo. Queria fazer menos silêncio. Quem sabe assim teria com mais frequência o silêncio dos outros e das coisas.
    Um feliz aniversário com gosto de pitanga e nada de silêncio! Beijo.

    ResponderExcluir
  5. Querida Márcia,

    Gostei muito deste teto; belo, como sempre. Ah, deve ser por isto que o generoso Zatonio falou em aniversário; por certo confundiu os endereços. A comemoração é aqui; celebro-te, minha querida. Um brinde a ti!

    Beijo.

    ResponderExcluir
  6. Oi, Tuca, dormiste então embalado pelo silêncio das pitangas? A beleza do texto está toda mesmo no último parágrafo, não?

    Parabenizar o silêncio seria talvez algo para entrar em nossa rotina, Paulo.

    Bruna, você me fez chorar (arte de quem agora é uspiana?... rs

    Ricardo, ainda bem que me devolveste meus parabéns. Mas endereços trocados assim são um acontecimento gostoso! Não mais que aquelas pitangas, claro!

    ResponderExcluir
  7. Tem alguém que diz ser no silêncio que se conhece as pessoas...
    Pitangas direto do pé hummmm

    ResponderExcluir