sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Café com trem

 
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista

(...)


É certo que já não eram os tempos gloriosos da RFFSA, mas cheguei a andar um tantinho bom de trem. As andanças tinham cheiro de interior. Quando as reconstruo, no entanto, puxando pela memória, pinto as imagens com certo glamour. Na trama das minhas letras brinco às vezes de ser Scarlett O'Hara e, mais amiúde, invento uma chuva de flashes e, como chão, um red carpet .

Embora tenha começado, mineiramente, falando de trem, pensei mesmo foi em falar de café. Quando criança, detestava. Ainda que o leite fosse escasso era ele a minha preferência e, se não o houvesse, eu nada bebia. Mas é que eu gostava mesmo era do embalo do trem. Diversão pura. Café parecia coisa de gente grande.

A primeira vez que andei de trem (mineiro não viaja de trem; mineiro anda de trem!) foi em minha cidade natal, um passeio para ver os parentes interioranos. Entre eles, minha madrinha. Disseram-me que o café dela eu beberia. Tão fraquinho! Achei mais horrível ainda, tanto o sabor quanto a cor. Uma água de batata ou, termo muito usado na minha terra, uma changuana.

Só fui beber café quando já trabalhava. Associei as duas ações. Muitas horas passadas no trabalho forçaram o paladar, geraram o hábito. Quanto mais vontade de pausa, mais necessidade do cafezinho. Aprendi a apreciar o aroma, a querer o calor nos lábios, a gostar do encorpado da bebida. Mas, como mineira, limitando-me ao tradicional. Essa coisa de expresso, de maquininha, só mesmo para as bandas de São Paulo. Na defesa de meu território, criei estratégias para seu preparo. E, para usar outra expressão da terrinha, desenvolvi "uma mão boa" para fazê-lo. Café que levanta, que traz de volta o ritmo, que dá força, muita força.

Estava, na semana passada, em viagem na companhia de uma amiga que é alucinada pela bebida. Sentamos em uma cafeteria. Experimentei um, com certa dificuldade na hora do pedido, é óbvio. Há sempre a possibilidade de não gostar e, agora, adulta demais para preferir leite. A amiga já pronta, segura. O garçom me olhando, quase a dizer "e aí?" e eu ali, temerosa, indecisa. Enfim, pedi um, com licor de chocolate, chantilly e canela, uma delícia!

Na escolha da bebida, percebi meu medo do novo. Na prova do líquido, descobri o prazer de sair do lugar comum, deixar o vento levar. A sensação do trem em movimento! O trem é assim, devagar, mas flui. O café é assim, estimulante, energia. Eu sou assim, vou me reconstruindo na complexidade, contando com o apoio de quem se faz foguista...

Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
   

5 comentários:

  1. Nem sempre, no 'trem da vida' precisamos gostar do que os outros querem que gostemos. É preciso ser grande para escolher o que nos delicia nessa vida e o que podemos deixar, nos trilhos, como tralhas que já não nos servem mais...
    Parabéns pelo texto, sempre impecável!
    Carlos Gomes

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  2. Nunca andei de trem...me deu uma vontade de experimentar...
    Já o café, não gosto muito não. Nesse calor então, nem pensar. Gosto de frapê de café, bala de café. Sempre dou um jeitinho de tornar mais calórico o que é simples...acho que isso também é dos mineiros.
    Mas no seu texto, mesmo não gostando de café e nunca ter andado de trem, sinto-os familiares. Beijos. Apareça em meu blog.

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  3. Gostei muito da mistura entre o difícil tema do medo que temos das mudanças, mostrando que de fato mudamos sempre e o cafezinho nosso de todo dia.

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  4. Professora Marcia

    Que delícia poder "ouvir" histórias contadas pelos mineiros. Confesso que meu sonho seria ser mineiro. Sem exageros. Sou paulista, mas juro que adoro as Minas Gerais. Morei em BH alguns anos e isto foi fatal. Adoro Minas. Mas os culpados por esta minha paixão são mesmo os mineiros. Povo "bão"! Delícia ouvir uma palavra que não ouvia há muitos anos, desde que me mudei de Minas. "Changuana". O café assim chamado é horrível, mas a palavra, lindíssima. Sonora. Impactante.
    Lendo-te, Professora, voltei um pouco mais no tempo e me lembrei das viagens de trem que fiz. Paulistas não andavam de trem. Viajavam de trem. Haviam duas classes nos vagões: primeira e segunda classes. Eu, pobre, só viajava de segunda classe. Lembranças doces. Ingênuas, até.
    Queria lhe agradecer, Professora.
    Obrigado pela deliciosa oportunidade de sentir um pouco da vida. Um pouco do meu passado.
    Ganhs um leitor. E eu mais uma Professora.

    beijo

    Rangel

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