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Um dia o irmão adoecera. Os gemidos passaram a ser ouvidos constantemente. As lágrimas da mãe tornaram-se habituais. As visitas da família – enorme! – também viraram rotina.
Se para fugir da aflição que se abatera sobre a casa... Se para sentir-se útil... Se para sentir-se notada...? O caso é que decidira fazer doces e oferecê-los aos parentes que vinham principalmente aos domingos e feriados. Oferecia-os também aos médicos, à solícita enfermeira, ao padre... aos vizinhos.
Aos poucos, foi perdendo a sensibilidade para as flores e seus perfumes. Os olhos severos e impassíveis exigiam apenas os frutos e já os viam macerados, premidos, cozidos. Sabia de olho a quantidade de açúcar a deitar sobre eles. O tempo de fogo. O doce no ponto. E, quando os gemidos e as lágrimas aumentavam, tanto mais o vigor da colher de pau. Só a massa desprendendo-se do fundo do tacho de cobre caramelava-lhe a vida.
Cuidava dos tachos como se fosse a si própria. Provavelmente até com mais afeto. Nada de azinhavre. Os tachos foram delimitando seu espaço na casa. A fama de doceira foi delimitando seu espaço na família, no mundo.
Em uma tarde de muitas jabuticabas a colher, a agonia do irmão de repente crescera. O padre veio às pressas.
Ouviu-se, momentos mais tarde, um último som lancinante. Um tio correu a tomar as providências. Os olhos da moça-doceira transformados em fios de calda de açúcar, numa cachoeira sem fim. A mãe fitou-a desconsoladamente. Caminhou até ela. Tomou-lhe das mãos a colher de pau e dirigiu-se ao tacho sobre o fogão.
Se para fugir do desatino... Se pelo domínio febril... Se por hábito de dor...? O caso é que a mãe – e ninguém mais – continuou a fazer doces naquela casa.