1.
Brotavam passarinhos no campo. Eram pinceladas de cores em movimento. E eu nem precisava falar, pois a música banhava de som a imensidão azul. Quem inventou de colocar grade nesta janela? Não fosse a presença ingrata, eu poderia debruçar-me à vontade. Daqui não se cai. Quando muito, aos mais descuidados, esta janela poderia abreviar o momento das asas prontas para voo maior. Entretanto, impossível tal deslize, se o canto, surgido da fragilidade de pequenas criaturas aladas, inspira atenção máxima. As grades da janela dividem o mundo entre lá e cá. Que importa a hora dada pelo relógio? A manhã precisa acabar.
2.
Manhã chorosa. Não há cachoeira nem nesgas de céu azul. Apenas um manto acinzentado que pede janelas fechadas. Nem assim os pardais se aquietam. Também o barulho de carros. Eu só queria dormir mais um pouco. O despertador, ingrato companheiro, não me permitiu e todos os sons, como a fugir da fina água, adentraram o quarto. Meus ouvidos têm abrigado o mundo. Os ouvidos, os olhos, a memória... Busco, de conteúdos retidos, a paisagem necessária à animação do corpo. Momentos há em que se faz imperiosa a construção de fantasias. Imprescindível silenciar os pardais. Puxo da arma eletrônica melodia mais sinestésica. “Bem-te-vi ... tua boca pingava mel.” O tempo também pingava. Lá fora. Não esse aqui do relógio, cruel...
3.
As grades do alçapão colhido a esmo em terras outras pediam restauração. Pintei-as de branco. Acreditei assim que se tornariam mais visíveis os pássaros ausentes. O alçapão virou enfeite no beiral da janela. Ornou com o relógio de parede. Algo no ambiente, porém, adivinhava a dor do canto inaudível. Quem era a ave triste, se não aquela que inabitava o artefato decorativo? Não se musicam perguntas. Elas não cabem na pauta musical. Abandono a janela, abandono a visão externa. O ouvido faz movimento inverso e capta sons minúsculos de lágrimas. O pássaro encolhe-se sob as asas. Oh, chuva!...
Saudades de te ler, Márcia. De tua presença aqui e lá em casa, no Roxo. Tua escrita agradou-me desde a primeira vez. O Tuca apresentou-me dizendo que eu gostaria. E gosto imensamente.
ResponderExcluirBeijos,
Obrigada, Tânia! Vou aparecer lá no Roxo. Saudades de ir lá também. Beijos.
ExcluirOlá!Boa tarde!...
ResponderExcluirMárcia!Belíssimo texto...
se rasgar uma das plumas, remende até que consigam se refazer, mas não abra mão de voar.Mas que seja livre,tirar as grades das janelas, nos melhores voos e enquanto viver, que as asas, cresçam e desabrochem e sirvam para abanar as tristezas dos caminhos , esquecer a preocupação com o tempo e atiçar as nuvens pesadas para deixarem suas lagrimas descerem para regar o solo, seja por onde passar.
Olhar de alma, encontro, renascer...
Vim agradecer o carinho de sua participação em meu blog!
Bom feriado!
Beijoa
Obrigada! Seja bem-vindo também!
Excluir"Meus ouvidos têm abrigado o mundo." Que coisa mais linda! Gosto muito de vir aqui e me encontrar! Um beijo!
ResponderExcluirQue bom, Dalila, que meu blog seja um ponto de encontro! Beijos.
ExcluirVengo del blog de Luz María Jiménez Faro y me ha encantado tu Rincón; por lo cual, si no te importa, me gustaría ser Seguidor de tan Bello Espacio, lleno de Magia, Sentimientos, Sensaciones y Fantasía.
ResponderExcluirUn abrazo.
Obrigada pela visita, Pedro Luis e por seguir-me (não me importo; pelo contrário, gostei muito!). Também já estou a seguir seu blog. Um abraço!
ExcluirUm texto em prosa que é pura poesia. O canto dos pássaros só existe para quem escuta com a alma.
ResponderExcluirEscutar e dizer com a alma... coisa de poeta!
ExcluirUm abraço.
Boa semana para ti também!
ResponderExcluirUm beijo!
Olá, Márcia,
ResponderExcluirColeciono passarinhos no meu quintal e nos meus escritos, por isso seu texto tem algo de especial para mim...quando tiver tempo, olhe no meu blog, algumas presenças deles!
Grande abraço do Pedra.
Vou olhar sim.
ExcluirObrigada pela visita!
Um grande abraço.
Gostei e já sigo. Peço permissão para colocar o link deste blog em meu blog. Obrigada.
ResponderExcluirObrigada a você, Nalvinha!
ExcluirTem minha permissão.
Um grande abraço.
Márcia
Ternura e quietude em forma de poema. Pássaros, janelas, perguntas... tudo é poesia nessa casa.
ResponderExcluirUm grande abraço!
Obrigada pela visita, amigo!
ExcluirOutro grande abraço para você!
Três croniquetas irmãs, que me pegam pelo avesso e o tornam pele florida, manto de primavera. Me ensopam, se isso é possível, de paz e inquietude.
ResponderExcluirSempre bom demais te ler, querida Márcia!
Beijos
Obrigada, Tuca, querido, pela visita e pelo comentário!
ExcluirEspecialmente para ti, um fragmento de António Cândido Franco (Estâncias reunidas):
"Esforço-me por arrumar os pensamentos.
Antes não havia pássaros.
Era eu o pássaro.
Cantava
mas sem o saber.
Agora há pássaros.
Um pássaro sacudiu o corpo.
Acabei de o ver.
E acabei de por duas vezes
o ouvir cantar.
ainda o vejo e escuto
mas ele
prisioneiro do sia e da luz
não me vê.
Esse pássaro
está dentro da sua manhã de Primavera.
É um pássaro
tão alegre para mim
como tão triste é para ele.
Está tão livre e tão preso
como outrora eu estive
na minha infância
antes de nascer
quando cantava e não me ouvia
quando era mas não me via.
E foi preciso perder a minha infância
afastar-me tanto de casa
para que houvesse um pássaro à minha volta.
(...)"
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