sábado, 1 de fevereiro de 2014

O novo código





ainda tem você na sala
porque meu coração dispara
quando tem o seu cheiro
dentro de um livro*

Gosto do ritual da decifração, compreender o que se esconde de infinito por entre os códigos. Ler é vício, é meu ar. Por isso, há livros espalhados por toda a casa. Volta e meia, pego um, folheio... é o que faço neste instante. Ah, o cheiro! que embota os sentidos... O que está a me acontecer?

Inebriada, vejo o mistério tomando corpo. Há um livro que não consigo ler, escrito em língua que desconheço. Você é o desafio. O livro indecifrável!

Vou até a estante. Você está lá...

Busco ferramentas: dicionários, livros de linguística histórica, anotações de sanscritologia. Deve haver alguma pista, algum registro desses sinais intransponíveis. Desenho mapas, traço relações paradigmáticas, somo símbolos, comparo hipóteses. Desespero-me em busca de tradução. Uso todos os meus recursos para desvendar enigmas. Nada! Você continua uma incógnita.

Caminho desorientada. Abro a gaveta do criado-mudo. Você está lá...

Invadida de aflição e descrença, chego à sala sem consciência de quantos passos e degraus me afastaram do quarto. Estou como anestesiada pela impotência do analfabetismo. Não sei ler?

No entanto, há uma sensação de que a chave já está conectada. Eu respiro! Estarão os meus olhos vendados? Será a linguagem clara e fluente e eu apenas preciso reaprender a ler? Perco-me nas interrogações e escapa-me o óbvio?

Deixo de lado os livros. Todos. Os lidos, os relidos, os deslidos. Escuto sons de escola. Há uma lousa verde. Um texto vem surgindo. Não era necessário que houvesse cartilha. Todos os grafemas exalam a calor, pintados de suor e ritmo. Música!

Constato: não, você não é um livro; você está em todos os livros. Posso abrir qualquer um. As letras configuram-se em código novo: o seu cheiro. Ah, o cheiro!

* fragmento de Vambora, de Adriana Calcanhoto
   

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