Abro a bolsa. Não encontro meu pendrive. É noite e não posso voltar para buscá-lo. Sem o arquivo necessário para o término de um serviço já iniciado... de repente é como se me sentisse vazia. Ligo a TV, novela das oito, e a torre Eiffel me aparece na tela. Outro dia, acho que desta mesma semana, era a torre de Belém.
Nem uma nem outra carregam histórias de românticas princesas. Aliás, creio que torres sejam obra antiga de engenharia cuja origem em nada remete a contos de fadas. Mas não consigo fugir à correlação estabelecida inconscientemente pelo meu pensamento. Perdoe-me a ignorância, Mr. Freud, se pensamento e inconsciência forem coisas incongruentes. A verdade é que vejo torres, penso em amores. A Psicanálise há de explicar.
Talvez para livrar-me dessa simbiose semântica e mostrar-me mais racional, dirijo-me à estante em busca de um livro de símbolos*. Encontro clara referência à função defensiva de tal obra arquitetônica. Encontro também uma alusão à presunção humana, simbolizada, sobretudo, pela torre de Babel, na aspereza das palavras ascensão e ambição. Para meu conforto, porém, eis que leio quase ao fim do verbete a expressão de meus pensamentos: “Na arte, a figura da Castidade aparece às vezes numa torre, como ocorre com as donzelas em situação angustiante dos contos de fadas”.
Afetada pela imagem televisiva, afetada pela leitura. O vazio, agora preenchido pelo tumulto do pensar, da imaginação. As janelas se expandem para além da torre. Como é bom que esqueças o pendrive! exclama a voz que se sente liberta.
* TRESIDDER, Jack. O grande livro dos símbolos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
Torre de Belém (Portugal) - Acervo pessoal
As torres muitas vezes perfazem magnífica fortaleza daquele amor confrontado e, moderadamente, aquecido descrito por Platão. Embora, no meu caso, eu associe sempre torres à igrejas, sinos badalando às 6 da tarde e pombos saltando pela perturbação do sacristão.
ResponderExcluirTenho a sensação que tanto a torre de Babel como a torre de Belém acomodariam formidavelmente aos pombos migrantes. A torre Eiffel... talvez, não!
Beijo a ti, querida moça de sublimes letras montanhosas e belíssimas.
Olá Márcia,
ResponderExcluirComentar um texto seu sempre requer ousadia e cuidado. Afinal, quem escreve com tanta maestria e precisão merece um comentário a altura. Contudo, decidi valer-me do conhecido provérbio popular: “Quem não arrisca, não petisca!”
O símbolo permeia meus pensamentos o tempo todo. E você sabiamente entrelaçou a ciência exata ao humano, o contemporâneo ao antigo, o abstrato ao concreto e deu vida a sua torre com seus amores e pen drives pedidos...
Seus textos são enriquecedores e deliciosos!!!
Saudades de quando eu tinha o privilégio de ser tua aluna.
Abraços,
Que texto bonito! Me emocionei.
ResponderExcluirParabéns pelo blog! Gostei muito.
Cara colega
ResponderExcluirA propósito da torre, me veio à lembrança o panoptico de Foucault. Para esse autor foi criado um sistema chamado panoptico em várias entidades estatais, como hospitais, prisões e escolas, para facilitar a vigilância. Nesse sistema haveria uma torre central a qual avistaria, vigiaria todos de uma só vez que estão a sua volta já que essa
estrutura a volta da torre central era circular.
Apelando para uma psicologia (de esquina) dos símbolos, seria por falta (ou excesso) de vigilância o esquecimento do pendrive e a torre, a cobrança desse comportamento?
Somente conjeturas a um texto de quem sabe pensar, escrever e se aproveitar disso.
Abraço.
Carlos Gomes