sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ah! humores...

   
Em frente ao computador, tentando escrever. A mente não se dá conta da ansiedade dos dedos estirados sobre o teclado. Não sei o que me acontece às vezes, tanto dizer transbordando no peito e o pensamento na recusa da verbalização. Queria começar este texto assim: A alegria é tamanha. Um belo sonho. Um belo despertar.

Descubro, sem aflição alguma – é, o comodismo! – que meu mar de rosas é construção fadada ao desmoronamento antes mesmo de se consolidar como projeto. Os vãos das venezianas não me mostram tons de azul. O céu desfila, da hora inicial à hora poente, um cinza agourento de mudanças climáticas. Urge que eu me afaste dessas leituras de jornal. Elas andam a embaçar-me a inspiração.

Abro o dicionário. Quantos significados para a palavra “humor”? Desde uma possível sinonímia para índole, uma interpretação para estado de espírito, até uma explicação anatômica, advinda das investigações filosóficas, em que se associa humor às secreções corporais. O que se faz certeza entre minha sala de trabalho e o clima é que o dia se consome nessa dolente esquiva.

Chego em casa sentindo que se esvaíram todas as minhas energias (menos aquelas acumuladas em pneuzinhos que me constrangem ante o espelho e o guarda-roupa). A vida era pra ser uma experiência fascinante, mas descubro-me cansada e triste. Razão para tal? Questão de humor?

Não, não se faz momento para a reflexão. Melhor tomar um banho. Espaço para o despir: das roupas, das palavras presas, do cansaço, do comodismo. Banho assim, de água corrente, de temperatura amena, de janela semicerrada e de vapor condensando gotículas pelas paredes. Sem nenhuma consciência ecológica! A água a deslizar pelas curvas, as desejáveis, e as indesejadas também.

Sabonete líquido, cremoso, espesso... perfume que atiça os sentidos. Cheiro inebriante que lança o corpo na aventura do êxtase. Pelo tato vem a sintonia entre corpo e mente. O mar de rosas é projeto viável. Milagre de laboriosa arquitetura que desenha ilusões entre o corpo molhado e ensaboado e as sombras projetadas pela luz no vidro do box . Já não há mais dedos ansiosos ante o teclado. Ah! humores... Vem, em explosão íntima, um novo texto, em cuja primeira linha se lê: A alegria é tamanha...
 

11 comentários:

  1. Você fala do embaçamento da inspiração, Márcia, e diz:

    "Abro o dicionário. Quantos significados para a palavra “humor”? Desde uma possível sinonímia para índole, uma interpretação para estado de espírito, até uma explicação anatômica, advinda das investigações filosóficas, em que se associa humor às secreções corporais."

    Tudo a ver com duas das minhas quatro leituras propiciatórias para a inspiração literária: dicionários e livros de fisiologia.

    Pra mim, sei lá porque, isso funciona melhor que qualquer livro de autores que admiro.

    As outras duas são: textos jurídicos de um
    modo geral e... livros de medicina legal!!!

    Beijos!

    P.S.: Tomara que a sua próxima postagem comece com "A alegria é tamanha"... E que ela seja tamanha mesmo, não só na ficção, não só na próxima prostagem!

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  2. Muitas vezes um banho morno resolve tudo. Outras vezes, uma noite de sono. Faz tempo que quero escrever e não consigo. Já tomei banho, já dormi. Vou experar a minha "explosão íntima".
    Obrigada pelo autógrafo.
    Um beijo grande de discípula para mestra.

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  3. o "experar" foi só um erro de digitação, viu?
    que discípula mais distraída...rs

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  4. Olá Márcia Luz!

    Primeira vez que leio um texto seu e que maravilha. Como você usa bem o jogo de palavras, fiquei impressionado. Acho que não se importaria se eu usa-se o começo do seu texto para descrever o que senti após ler..

    "Em frente ao computador, tentando escrever. A mente não se dá conta da ansiedade dos dedos estirados sobre o teclado. Não sei o que me acontece às vezes, tanto dizer transbordando no peito e o pensamento na recusa da verbalização" - Márcia Luz

    Resumindo: Fiquei literalmente sem palavras..

    Virei seguidor e fã dos seus textos e de seu blog..VOLTO SEMPRE!!!

    Abraço!

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  5. Q simplicidade profunda na alegria tamanha depois de um belo banho !

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  6. Escrever por obrigação, não! Este talvez seja o ato que mais necessite de um ritual, e todo ritual que se preze começa por abluções.

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  7. Incrível, e eternamente os nossos dedos vão perder para o lápis, a máquina de escrever e o teclado, as ideias são mais dignas e rápidas que o papel.

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  8. Marcia;
    Muito bom..!!!
    Tudo muito lindo aqui.
    Grande Abraço.

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  9. Adoro vir aqui e me debruçar na leitura de seus posts!

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  10. Olá, querida Márcia.

    Texto incrível; adorei! Minha opinião é parecida com a do Paulo; no entanto, estendo a tudo: "nada é bom fazer por obrigação...

    Um beijo, moça! ;)

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  11. Lindo texto muito bem escrito! Inspiração do momento;o)

    ***
    Parabens e um feliz domingo*******

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