segunda-feira, 30 de maio de 2011

a minha língua na língua de

 

Tenho pouco conhecimento. Aquele que me foi permitido construir entre as horas de trabalho necessárias à sobrevivência, ainda desde a infância, e o difícil acesso a livros que não chegavam às bibliotecas das escolas públicas nas quais estudei ou – tanto pior – ficavam trancafiados naquelas mesmas bibliotecas sob a alegação de que se estragariam nas descuidadas mãos infantis das famílias pobres.

Faço, porém, uma ressalva. Pode ser pouco, mas é conhecimento. Não é apenas acúmulo de informação. Eu soube, apesar dos acordos MEC-USAID, extrapolar o conhecimento enciclopédico e os limites do ensino propedêutico. Não perdi o hábito do questionamento. Não aceito pacotes de informações rotuladas.

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões. Aquele que, diz a lenda, deixando perecer a companheira, salvou bravamente (ou por vaidade?) seu manuscrito de um naufrágio. Legou-nos Os Lusíadas, mas também imortalizou alma minha em um de seus sonetos.

Gosto de sentir a minha língua também na língua de outros que contam e encantam, já desenfronhados do apelo colonizador, para além do peito lusitano. Gosto de ler outras almas poéticas que não a minha. Outros conhecimentos.

Gosto de sentir a minha língua na língua de Patativa do Assaré. Aquele que um dia deixou registrado: “Prefiro falá as coisa certa com as palavra errada a falá as coisa errada com as palavra certa.”

Prefiro ler um exemplo de concordância em desacordo com a norma culta da língua em um texto que explica a variação e o preconceito linguísticos – pois que entendo aí a explícita intenção textual – a ler em cronista conceituado “as normas e princípios que regem o idioma (...) devem ser questionados e discutidos”. A falta de paralelismo sintático em textos que se propõem isentos de incorreções em relação à norma culta incomoda-me muito mais. Passa, no entanto, despercebido de tantos que dizem dominar essa mesma norma.

Insisto, uma vez mais, no meu pouco conhecimento. Em meio a tantos defensores do saber preconizado pelas mídias redentoras, sou praticamente como uma bruxa a fugir da fogueira. Se cá me encontram a ler meu exemplar de Cordéis ou a satirizar “alma minha gentil”, por certo que me darão a conhecer o Malleus Maleficarum. O sucesso midiático é que redime o ser humano.

2 comentários:

  1. É Márcia, nestas últimas semanas ouvimos os tagarelar da massa cheirosa, investindo contra o modo espontâneo com que falamos o idioma como se isso fosse provocar a morte deste. Mas, como sempre, foram eles que acabaram mordendo a língua. A norma culta existe para servir de parâmetro não para nos aprisionar ou servir de garrote.

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  2. Escreve muito bem Márcia...
    Aprisiona a palavra na sua sina: produzir sentido!
    Apreciando seu Blog!
    Bjos

    Raquel

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