terça-feira, 20 de agosto de 2013

De conto em conto, todas as contas



“A vida é um colar. (...)
São sempre tantas as missangas.”
(Mia Couto)



“E viveram felizes para sempre”. Começa-se a felicidade; acaba-se a história. É assim em quase todos os contos de fadas. Não quero essa felicidade; presumo que você também não a quer. Ansiamos por histórias, várias, inesquecíveis, entrelaçando-se, criando um livro infindo que só a morte põe término. Põe?

Foi naquele tempo em que Deus ainda criava. O mundo não era uma capa de revista. Eu já conhecia lágrima e você, coberto de razão áurea, adivinhava o pentagrama pitagórico. Eu não sabia nada do que era possível. Até acontecer. E aconteceu em uma noite de lua cheia. Eu vi suas mãos. Eu vi seus olhos. Os ombros não, que era para manter distância, descuidar-se do amparo. A insegurança deveria ser presença constante. Bastou um olhar, bastou um beijo: estava perdido o paraíso. A partir daquele instante a lua, feito moldura para o rosto, passou a brilhar ainda mais. Prata! daquela de cobiça, que pede mais, pede ouro, diamante, uma profusão de pérolas a enredar-se.

Vai daí, puxa-se um fio intermediário e estávamos nós, de repente, no salão de baile do castelo. Eu olhei para meu vestido azul. Parecia que aquele tom não combinava com a cor de seus olhos. Havia um espectro de espadas a esconder seu sonho de esgrimista. O desespero disfarçava-se em sorrisos discretos. Caminhamos até a balaustrada. Não havia mais céu para o ar necessário. Foi por não saber dizer que eu disse tanto. Você, confuso, ofereceu-me caramelos. A voz até ficou retida, mas... a boca cheirando a mel! O que mais contar? Bastou um beijo. A boca tão açúcar, branca, de perfiladas contas!

Como lascas agudas, as raízes da trama perfuraram o tempo e, diligentemente, avançaram para a terra nova. Era já outro continente. Suas mãos ávidas de outros desejos. O bolso do sobretudo de casimira abrigava uma bússola. Embora pendessem livros aos cachos na biblioteca, a você só interessavam os atlas. Havia mais o que descobrir? Cores novas e novas palavras. Um lencinho branco ficou no porto. O beijo esbarrou na promessa. Bastou a saudade. No corpo, o vestido preto fazia segredo da esperança. Eu descobri que nunca mais também podia ser para sempre. No entanto, eis a urdidura do tecido por entre os galões...

Atados pela narrativa, desconhecemos a interrupção. Há um jardim que contorna os limites do arranha-céu e estende-se até as ruínas do império fenício. A Babilônia é uma figura na parede (oh!) e não há quarto que sirva de baluarte ao nosso amor. Há, porém, um beijo, que, de há tanto parado no ar, gerou urgências. Ninguém precisa de magia. Basta essa linha invisível, condutora de ventos auspiciosos, a espantar as sombras e os silêncios da existência...

Que a vida é um colar!
    

Um comentário: