quarta-feira, 8 de abril de 2015

Nessa parede surdemuda

 
Eu não quero cantar
pra ninguém a canção
que eu fiz pra você
que eu guardei pra você*




        Há quem tenha uma canção que faz lembrar. Eu não canto. Desconheço juras de amor. Não carrego eternidades. Há quem cante no chuveiro. Eu, porém...

       Transformo um azulejo em lousa. Escrevo seu nome. Escrevo meu nome. Escrevo qualquer coisa que me vem ao pensamento e instantaneamente escorre para a ponta dos dedos.

        Confiro o desenho a água, para ter certeza da forma redonda e perfeita da grafia. Nessa parede surdemuda, só faço letra cursiva. Nada que sugira imprensa, que é para manter segredo do registro.

       O banheiro inteiro mergulhado no vapor d’água. Eu não tenho uma escrita de romance, mas fica ali a fantasia, o que, de algum modo, é história. Inacabada. Nem começada. Não há uma canção.

      Eu sei que você tece melodias. Imagino seus dedos no violão. É mais real que a tinta incolor com que preencho os espaços da minha lousazulejo. Porque as notas que você dedilha alcançam o vento que caminha da sua janela para outros horizontes.

     Eu escuto um dó, um sol perdido, e as minhas luas derretem-se em lágrimas. Da mesma matéria com que fabrico letras durante meu banho. Não é para mim que você canta. Eu fico apenas com seu nome, lançado repetidas vezes nessa parede que não vai para outros horizontes.

       Desligo o chuveiro. Enxugo meu corpo. Não há mais letras por hoje, todas diluídas, dissolvidas no que fica de molhado no ambiente. Eu saio, já seca, de você, de meus devaneios...

       Mas há um som que vem pela janela e me deixa úmida. Há em mim dedos inquietos que tentam coletar a canção que eu não fiz para você, a canção que você não fez para mim...
    
    
* Fragmento de letra da música "Nada pra mim", de Ana Carolina.
    
     

6 comentários:

  1. Chega a doer esse amor sufocado pelo vapor do banho. Lindíssimo, professora.

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  2. Ao passar pela net encontrei seu blog, estive a ver e ler alguma postagens é um bom blog,gostei de o conhecer é daqueles que gostamos de visitar, e ficar mais um pouco.
    Tenho um blog, Peregrino E servo, se desejar fazer uma visita.
    Ficarei radiante se desejar fazer parte dos meus amigos virtuais, saiba que sempre retribuo seguido também o seu blog.
    Minhas saudações.
    António Batalha.
    Peregrino E Servo

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    1. Olá, António
      Fico feliz com sua declaração.
      Vou visitar seu blog.
      Um abraço.

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  3. É mesmo assim: não desistir de escrever e de cantar, mesmo que doa...
    Um beijo.

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    1. Sim, Graça. Obrigada por suas palavras! Deram-me nova dimensão sobre essa aparente sina de estar sempre a escrever.
      Beijos.

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