sábado, 1 de maio de 2010

Os quereres do ontem e do hoje

   
Por trás dos véus impostos pelas relações sociais, escondo minha subjetividade de mulher absolutamente romântica, cujo coração se faz cofre para o segredo de um grande amor. O vento, moleque abusado, vez ou outra me trai, coloca à mostra, qualquer que seja, um fragmento do que deveria, por princípio, ser apenas esconderijo. Escapam-me, assim, fugidios, por uma janela aberta, alguns pensamentos, alguns quereres.

Tenho predileções tão comuns, aparentemente... tão inusitadas, às vezes. Por exemplo, gosto de nomes que contenham dígrafos vocálicos, duas letras num único som, sem obstáculos. Gosto de andar de mãos dadas. Gosto de corpos lânguidos sob a luz do sol nascente, que se insinua pela vidraça. Gosto desse vento, varrendo pela janela as frestas do oculto. Quereres!... Histórias!...

No meu tempo de vai-e-vem entre o real, os sonhos e as lembranças, vejo-o de novo. Entra na sala. Sorrateiro, de camisa preta, observador. Aquele brilho lacrimoso no olhar, que lhe conferia um semblante contemplativo. Nada diferente de quando ele entrou na minha vida. História antiga que mistura ingenuidade e desejo.

Foi assim que ele entrou na minha vida: um nome, aquele do meu gosto, de amplitude vocálica. Depois um rosto, um sorriso lindo, um par de olhos que, não fosse eu ainda tão inocente e de pouca leitura à época, diria, deixam a gente comovida como o diabo! E um pedido de ajuda. Ajudei. Uma ajuda ridícula, claro. Ele não precisava da minha ajuda. Suas hábeis mãos já eram, naquela idade, suficientemente autônomas para a construção. O pedido foi sua primeira arma de sedução. Crianças também sabem ser sedutoras. Aprendi a amar assim, na crença de estar ajudando.

Agora, ali, ainda à beira da porta da sala, ele tira a camisa. O peito nu é convite para o desejo reprimido em meus, em seus olhos. O beijo, vontade e mácula de toda uma vida, aflorou, para, logo a seguir, murchar nos lábios. O corpo moreno fosse inteiro um foco de raios ultravioleta sobre minha pele branca e não queimaria tanto! Necessário fechar os olhos para voltar a enxergar.

Houve, um dia, o entrelaçar dos dedos, aquele do meu gosto, durante uma curta caminhada, de tamanho exato para a descoberta de uma nova sensação tátil e para a certeza de uma cena inesquecível. O gesto desprezou qualquer pedido. As hábeis mãos já eram, por si, sua arma de sedução. Aprendi a amar assim, pelo calor do toque, pelo silêncio da carícia.

Da poltrona em que estou sentada, olho-o novamente, tomando cuidado para ser bem discreta. Não adianta. A porta da sala não oferece ângulo bom para meu disfarce. Em determinado momento, os olhares se cruzam. O ardor de sempre toma conta de mim. Fecho novamente os olhos.

Eu, criança, numa noite de casa cheia. Hora de dormir, decretou a mãe. Hora de separar?, chorou meu coração. Como explicar a vontade da menina que não quer mais ficar longe de seu amado? Algo na mulher em embrião adivinhava o sofrimento da distância constante.

Houve a hora certa para que o sol invadisse o leito de dois amantes, despertando os corpos lânguidos, aqueles do meu gosto, que antes do sono haviam se pedido em ânsia incontida. A querência que se construiu arma de sedução. Aprendi a amar assim, na expectativa de momentos tórridos, entremeados à solidão das lembranças.

Já não estou mais na poltrona. Não vejo a porta. Não o vejo sem camisa. O calor, o tempo abafado, esses véus que me encobrem, tudo me parece desconfortável. Mesmo assim, aqui nessa sala, diante da janela aberta, espero. Sei que haverá vento, aquele de que tanto gosto! Em breve.
      

3 comentários:

  1. Amiga vou torcer muito para que o "Moleque abusado" lhe traia muitas e muitas vezes.... para que você possa desfrutar de todo esse AMOR que "pulsa em seu ser" ou até mesmo essa História antiga que mistura ingenuidade e desejo.
    Seja feliz...Ame muito...Corra atrás daquilo que deseja..Felicidades mil...ALBA

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