sábado, 15 de maio de 2010

Rosas

    
"Rosa é a flor feminina que se dá toda e tanto, que para ela só resta a alegria de se ter dado."
(Clarice Lispector)
    

Não é época de rosas. Mas segredos são para qualquer época. Guardados, revelados... o perfume está ali. Parece estranho esse início de texto? Poético, piegas? Não me importa agora o adjetivo que lhe venha a ser atribuído. Estou nostálgica. Daí embriagar-me no perfume das rosas que se abrem, espalhando risonha e impiedosamente meus segredos para o mundo. O céu azul e limpo é vastidão e, às vezes, desamparo demais.

Vai lá um sorriso de criança, os cabelos dançando ao vento, os pés ligeiros por entre as pedras do jardim. As mãozinhas ávidas colhem todos os meus segredos, dão a eles o colo da proteção, o carinho dos afagos, a quentura do olhar. Estou nostálgica. Daí embriagar-me desse hálito e aceitar o ninho desses braços.

Qual a fonte de onde se originou tamanha sensação de nostalgia? Ela, a roseira, estampada numa foto que acabo de rever. Dirão, talvez, se está a rever fotos, é sinal de que a nostalgia já havia se instalado anteriormente. No entanto, juro, não! O álbum de fotos foi tirado da gaveta (pasmem) porque precisava localizar a foto de um bolo de festa (pasmem mais ainda!) feito por mim. Não tenho grandes dotes culinários, mas tenho uma receita de bolo fofíssimo, saborosíssimo, que faz sucesso na família. E tenho a delicadeza da simplicidade de transformar glacê, coco ralado e confeitos coloridos em decoração artística.

A foto do bolo não achei. Mas a roseira carregada estampava-se à minha frente. Flores tão vivas, oferecendo-se à admiração, implorando por admiração! Vem meu filho e pede “mãe, faz arroz doce?”. Vou. A foto me acompanha, depositada em local próximo ao fogão. Meu corpo é também rosa aberta, entregando-se ao espírito maternal. Tantas outras urgências! Qual delas, entretanto, compensará o lambuzado sorriso pueril que traduz a cumplicidade entre talher e queixo?

Não é época de rosas. Pelo menos dessas que florescem naturalmente nas roseiras, sem necessidade de grande atenção, crescendo a esmo. Escorreguei na arte culinária, caí no jardim, meus segredos voaram. Retornaram, porém, entrelaçados em um buquê de dedinhos, respingados de arroz doce, exalando histórias...

Quem, nesse momento, dá colo a quem? Daí embriagar-me nesse rio que escorre pelos vãos dos dedos. Meus olhos se liquefazem à imagem da roseira em foto, devidamente abrigada entre as páginas do álbum. Guardo os segredos na gaveta. Entrego-me à nostalgia.




Um jardim qualquer de uma casa não tão qualquer em uma cidadezinha qualquer (Acervo pessoal)

        

4 comentários:

  1. Nossa, me fez lembrar coisas tão particulares. Lindo texto, lindo!!!

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  2. Que lindeza!
    Há momentos secretos q ficam na memória, mas vem a tona sempre.
    BeijO

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  3. Confesso que tenho medo da nostalgia...de me entregar a ela num choro sem fim. Quem bom que sempre há alguém para fazer com que a nostalgia não se transforme em melancolia; alguém, por exemplo, que pede: "mãe, faz arroz doce?"
    Um grande beijo.

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  4. Belíssimo texto!

    Nossa, ficou bem legal o novo template do teu blogue; visual bacana e mesmo muito bom para postar as tuas letras magníficas.

    Beijo a ti.

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