domingo, 16 de janeiro de 2011

Reencontro

   
Não, não é uma rua. Não há calçada nem meio-fio. Mas como é bom desfilar por ali sem pressa, saboreando o friozinho da manhã com cheiro de café recém-coado. Caminho devagar, em parte porque, teimosa - e vaidosa, vá lá -, neguei a meus pés um confortável par de tênis, em parte porque, sistemática e perfeccionista, espero nesses poucos passos alcançar o equilíbrio entre memória e coração.

Sei bem que o melhor mesmo é chegar lá no fim e atravessar o portãozinho de ferro que me devolve a infância em jabuticabeiras floridas. O aroma, aos poucos, modifica-se. Torna-se mais adocicado. O chão também já é outro. Os saltos parecem afundar na falta de rigidez do manto de folhas sobre a terra macia. É, no entanto, uma sensação de insegurança gostosa: o corpo em estado de alerta para evitar uma possível queda, mas a alma rindo alto com a imagem do tombo.

Venho movida pela vontade do resgate de um pedaço de mim que esqueci ali. Deixo, ao passar pelo portão, os longos anos que separam a altiva mulher da tenra criança. Reencontro. O céu de Minas inteiro derrama no ar essa palavra, por entre as frestas das montanhas, no rumorejar da vegetação oscilante, até nos descascados das paredes assobradadas.

Um sorrisinho atrás de uma das árvores se delineia para mim. Logo depois uma pequena corrida e um forte abraço que me deixa a blusa melecada de manteiga pura de leite. Meus sapatos, cadê? escondidos no canteiro de margaridas. Os pés descalços fazem festa por entre a vegetação. Damo-nos as mãos e ensaiamos uma ciranda.

Entre um giro e outro, os corpos desdobrados fundem-se novamente. Quem sou agora, refeita, renascida? Os pequenos milagres nos pequenos prazeres nos pequenos instantes nos pequenos espaços. Tudo tão enorme! Mas tão simples e insólito quanto este novo desejo: quero café com jabuticabas.


 Tiradentes - MG (Acervo pessoal)
  

3 comentários:

  1. Também quero, mas apanhadas agora no pé. Senão, vou de sapoti.

    Voltou a mil, hem, amiga! Me arrastou pela mão para os três quintais da minha infância.

    Beijos

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  2. Gostei daqui aos montes.
    De vez em quando aparecem oásis na internet.

    Bj

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  3. Oi, Tuca
    Sonho com jardins, mas sei que os mineiros amam os quintais. Sabor de infância mesmo! Sabe que nunca comi sapoti?

    Dade, obrigada pela visita! Seja bem-vinda! E se meu blog foi um oásis para você, sinto-me imensamente feliz pelo que lhe pude proporcionar.

    Beijos!

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