quinta-feira, 7 de março de 2013

Quando a páscoa não vem...

   


Era março. Sua necessidade de oração crescia, enorme. A angústia que a consumia buscou pretenso alívio nas falas decoradas do ritual religioso. Há muito as quaresmeiras floridas eram retrato perdido de seu passado. Agora, o roxo das vestes sacerdotais pintava os já desbotados quadros da via sacra em sua lembrança. 

Era ela quem caía mais uma vez, sem ninguém que a auxiliasse, que enxugasse seu rosto, que acompanhasse seu trajeto, que amenizasse sua dor. Ela era sozinha na multidão de fiéis. Alguém lavava as mãos? Talvez pior. Alguém lhe sorria. Aproximava-se dela ao fim da cerimônia. O rosto, até sereno, supunha que o cumprimento verbal apagasse todas as faltas.

Aquele encontro, em certo momento, seria mesmo inevitável. Ela voltou a sentar-se no banco de madeira escura. Queria falar-lhe sim, mas do jeito honesto que aprendera na infância: olhando-o diretamente nos olhos. Entretanto, não conseguia encará-lo. Disfarçava o foco, concentrando-se na distorção luminosa dos painéis vitrificados.

Havia nela uma grande vergonha. Sabia-se usada, enganada, roubada, traída. De seus lábios, no entanto, só um pedido: que ele a deixasse sair daquela situação com um mínimo de dignidade. O pouco proferido era quase o latim das inscrições monumentais, como se de fato fosse sua língua materna. Dolor supremus.


Ele não a confortou. O silêncio era lança a ferir-lhe o peito. As mãos dele, abaixadas, afastadas, inertes, eram os cravos da crucificação. Não, não haveria vestes resplandecentes. Apenas o canto longínquo de um galo.
   


2 comentários:

  1. Fantástico, Márcia. Não é fácil construir uma narrativa envolvente a partir dos reflexos de um fato que não é revelado. A propósito de reflexos, é intencional a pontuação da narrativa com brilhos e cores?

    Beijos

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    1. Oi, Tuca.

      Tão intencional quanto sua vontade de me fazer refletir para lhe responder. Por isso escolhi a imagem do vitral. Você encontrou a palavra exata: reflexos.

      Beijos

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